A capacidade de aprender é uma das características mais marcantes da humanidade. Essa habilidade nos permite adquirir novas competências para nos adaptarmos às exigências do ambiente, sendo uma qualidade intrínseca ao nosso sistema nervoso. Enquanto outros animais conseguem desenvolver algumas habilidades fora de seu escopo genético, os humanos superam todos nesse aspecto. Por exemplo, uma criança pode crescer em qualquer parte do mundo, e seu ambiente terá uma forte influencia em sua fala, seus movimentos e seus hábitos, com poucos aspectos sendo determinado previamente. Essa "flexibilidade" é uma faca de dois gumes, pois padrões que nos ajudaram na infância podem se tornar ineficazes na vida adulta. Assim, entender como funciona o aprendizado é vital para adquirir novas habilidades e desapegar de comportamentos que não são mais úteis.
Historicamente, pensava-se que a plasticidade cerebral — a habilidade do cérebro de se adaptar a novos estímulos — era exclusiva das crianças. Era comum acreditar que, após certa idade, se tornaria difícil aprender novas habilidades e mudar padrões de comportamento. Embora a neuroplasticidade seja, de fato, mais evidente em crianças e jovens adultos, o cérebro humano continua a ter essa capacidade ao longo da vida. Assim, a abordagem de aprendizado para adultos precisa ser distinta da que é utilizada com crianças. Na infância, a aprendizagem é prioritariamente passiva; as crianças absorvem informações do ambiente sem um processamento consciente. Desde o nascimento, os estímulos que recebem são indistintos, e, com o tempo, o cérebro começa a organizar essas informações. À medida que a criança cresce, esse processo se torna mais automático, permitindo um controle melhor dos movimentos e uma compreensão mais profunda da língua falada por seus pais. As línguas aprendidas na infância são sempre processadas de forma diferente daquelas adquiridas mais tarde. Mesmo quando expostas a várias línguas, as crianças associam palavras e estruturas a contextos, aprendendo organicamente pela exposição. A gramática e a pronúncia são assimiladas por imitação, e é quase impossível para um adulto aprender uma nova língua com a mesma eficácia. Isso destaca a predisposição natural das crianças para aprender, tornando fundamental a exposição precoce a diferentes idiomas, caso queira que seus filhos dominem vários idiomas.
Para os adultos, a situação é bem diferente. Aprender algo novo geralmente exige prática deliberada e maior investimento de energia. Além disso, o aprendizado passivo em adultos frequentemente está ligado a experiências emocionais negativas, como traumas, por exemplo. Embora existam diversas maneiras de aprender, compreender os princípios da retenção de habilidades é essencial para criar uma prática eficiente.
No processo de retenção de habilidades, podemos distinguir quatro estágios de aprendizagem, conforme descrito por Noel Burch:
Incompetência inconsciente: Você realiza uma habilidade de forma errada, sem perceber.
Incompetência consciente: Você se dá conta de que está executando a habilidade incorretamente.
Competência consciente: Você consegue realizar a habilidade corretamente, mas isso exige maior esforço e concentração.
Competência inconsciente: A habilidade se torna tão integrada que é realizada automaticamente, com baixa necessidade de atenção e gasto energético.
Na maioria das atividades novas da nossa rotina, geralmente estamos no primeiro estágio de aprendizagem: a incompetência inconsciente. Isso significa que é muito provável que não tenhamos consciência de como estamos errando. Para promover uma mudança real, é essencial que a gente se torne ciente de nossas falhas. A consciência é fundamental para corrigir erros, mas muitas vezes é difícil perceber algo sem a ajuda de um observador externo. Por isso, muitas pessoas não buscam mudanças, simplesmente porque não reconhecem a necessidade delas. A conscientização pode surgir acidentalmente, como ao sentir dor que nos força a identificar que há uma falha no gerenciamento da nossa prática. Por isso, encontrar um bom professor que possa revelar nossos pontos cegos é vital para evitar danos e facilitar processos.
Com a consciência dos nossos erros, avançamos para o segundo estágio: a incompetência consciente. Neste momento, já sabemos que estamos realizando uma ação de forma subótima. Ao perceber isso, começamos a focar na maneira como estamos agindo, e o cérebro mobiliza seus recursos para descobrir a forma mais eficiente de realizar a tarefa. Os erros tornam-se indicadores de onde a mudança deve ocorrer e estimulam a neuroplasticidade. Assim, é importante entender que, ao desenvolver uma nova habilidade, estamos desfazendo conexões que não servem mais ao propósito. No início desse processo, o sistema nervoso requer muitos recursos, e, eventualmente, precisará 'eliminar' as conexões ineficazes para encontrar um padrão eficiente, que será consolidado através da mielinização. Isso significa que, em vez de simplesmente adicionar novas conexões, o foco deve estar em eliminar as que não funcionam. Essa é uma das razões pelas quais é tão difícil se livrar de hábitos ruins uma vez que se tornam consolidados. A marca registrada deste estágio é a capacidade de identificar e implementar os pontos-chave para alcançar a competência.
Ao progredirmos para o estágio de competência consciente, após um longo período de prática, começamos a ver resultados visíveis e a eficiência na execução da habilidade aumenta. Este é um momento gratificante, pois podemos comparar todo progresso que foi feito. Neste estágio, passamos a buscar atividades que promovam ainda mais melhorias, já que agora somos capazes de fornecer a nós mesmos um feedback mais útil. No entanto, ainda é necessário um grande esforço mental para executar a habilidade com eficiência.
Com o tempo e a prática deliberada, chegamos ao estágio de competência inconsciente. Aqui, a habilidade se torna parte do nosso sistema e não requer mais tanta atenção. Quando esse processo é concluído, ocorre uma mudança significativa: a habilidade se integra completamente ao nosso ser, levando a um novo nível de eficiência, muitas vezes descrito como maestria. Este estágio também é o que pode gerar estados de fluxo (Flow State).
Todos nós desejamos alcançar o nível de maestria em nossas habilidades. No entanto, é fundamental manter o aprendizado contínuo e retornar ocasionalmente aos estágios iniciais para 'atualizar' nosso sistema e explorar nuances que poderíamos ignorar. Essa prática mantém nosso conhecimento afiado e engajado, não apenas permitindo o desenvolvimento de habilidades específicas, mas também tornando-nos aprendizes melhores em geral. Além disso, se nos limitarmos a fazer apenas o que já sabemos, corremos o risco de nos tornarmos prisioneiros de hábitos. Como já disse Moshe Feldenkrais: “A liberdade de aprender é uma grande responsabilidade; inicialmente, também é uma restrição. Não há liberdade de escolha ou livre arbítrio quando há apenas uma maneira de agir. O aprendizado permite alternativas em qualquer atividade. A capacidade de aprender é sinônimo de livre escolha e arbítrio. Porém, uma vez que aprendemos, a escolha é feita, e a tabula rasa não existe mais. Com isso vêm responsabilidades, assim como limitações.”
A forma como nos movemos e agimos não é fixa; o aprendizado pode ocorrer em qualquer fase da vida, desde que adotemos o processo certo. A direção em que cada um de nós se move depende de nossas escolhas, e essa é a beleza de ser humano.
Você já tinha lido sobre esses tópicos a respeito de aprendizagem? Me conta aqui abaixo o que você achou e qual sua sugestão para os próximos conteúdos.
Até o próximo, galera! Abraço.
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