A forma como a prática física é organizada, sendo dividida em períodos mais curtos e mais longos, tem grande influência nos resultados obtidos. Ao considerarmos o movimento como um conceito amplo, o foco principal está em criar condições que não só favoreçam a retenção das habilidades, mas também permitam uma transferência eficiente dessas habilidades entre diferentes contextos. Ser bom naquilo que você pratica é um resultado direto da repetição, mas como você pode se tornar competente em algo que ainda não pratica? A interferência contextual é um conceito importante para a elaboração do currículo\programa que utilizo com meus alunos, buscando exatamente esse efeito.
Embora a repetição seja essencial para o aprendizado, ela não precisa se limitar à repetição exata da mesma ação. Pode também envolver a execução de uma mesma ação motora em diferentes contextos. A variabilidade, nesse sentido, desempenha um papel fundamental no processo de aprendizagem e pode ser aplicada em diferentes níveis durante a prática. Para montar um programa eficiente, devemos considerar tanto a organização mais ampla da prática ao longo de um período extenso, quanto a estrutura de uma única sessão de treino. Em cada nível, parâmetros específicos influenciam a eficácia do aprendizado e sua extensão.
O conceito de interferência contextual (IC), originado de pesquisas sobre processamento de informações, se refere à estruturação da prática em que as tarefas se alternam de maneira a exigir soluções motoras distintas. A intensidade e a organização da IC podem variar tanto dentro de uma mesma sessão quanto ao longo de períodos de tempo maiores. Podemos identificar três formas de aplicar esse conceito:
IC baixa ou prática 'bloqueada': Aqui, a mesma habilidade é repetida de maneira sequencial até que o aluno consiga executá-la com precisão. A mesma ação motora é repetida sem grandes variações. Esse método, geralmente, produz um bom desempenho imediato, com uma adaptação eficiente do movimento para o desempenho ideal dentro de uma única sessão.
IC média ou prática variada: Nesse caso, diferentes tarefas de movimento, que exigem soluções motoras semelhantes, são combinadas. Esse formato permite que o aluno planeje suas tentativas com antecedência e faça repetições visando ajustar suas soluções motoras.
IC alta ou prática aleatória: Nessa estrutura, as tarefas são organizadas de maneira que não permite ao aluno planejar ou comparar suas respostas. Isso exige uma tomada de decisão rápida e a execução de padrões de movimento com base na coleta de informações perceptivas. Embora a prática aleatória leve a um desempenho inferior durante a execução, ela resulta em uma maior retenção e transferência das habilidades motoras para uma variedade de tarefas.
A variabilidade no desempenho de cada indivíduo está relacionada a vários fatores, sendo o mais importante o nível de experiência e a habilidade do praticante em cada domínio específico. Alunos mais experientes se beneficiam, em geral, mais com a prática de alta IC, enquanto iniciantes podem ter ganhos maiores com uma prática mais bloqueada. Contudo, essa distinção não é rígida, e a variabilidade pode ser ajustada conforme as necessidades individuais e a natureza da tarefa. É possível combinar essas abordagens para alcançar o melhor resultado. Algumas maneiras de introduzir variação nas tarefas incluem:
Tarefas que exigem demandas espaciais.
Tarefas com foco em demandas temporais.
Tarefas que envolvem tanto demandas espaciais quanto motoras.
Tarefas que combinam demandas temporais e motoras.
Tarefas que envolvem exigências espaciais, temporais e motoras.
Ainda não se compreende completamente os mecanismos que explicam os efeitos da interferência contextual. No entanto, duas hipóteses podem ajudar a entender esses efeitos: a hipótese de reconstrução do plano de ação e a hipótese de processamento elaborativo. A primeira sugere que a prática aleatória exige um processamento cognitivo mais intenso porque, ao alternar entre tarefas, o plano de ação precisa ser "esquecido" e depois recuperado da memória de trabalho para cada nova tarefa. Em contraste, a prática bloqueada permite que o mesmo plano de ação seja repetido, sem a necessidade de reconstrução a cada tentativa (Lee e Magill, 1983). A segunda teoria defende que a ordem aleatória de tarefas aumenta o esforço cognitivo, já que as habilidades mudam de uma tentativa para outra, o que requer maior envolvimento mental (Shea e Titzer, 1993). Ambas as hipóteses indicam que o processamento de erros aumenta a carga cognitiva devido à alternância entre as tarefas, e que esses erros geram aprendizagens que contribuem para a melhora do desempenho.
Abaixo listei alguns benefícios da prática com alta interferência contextual:
Ela exige que o aluno participe mais ativamente do processo de aprendizagem, evitando a simples repetição de uma ação.
A prática aleatória ajuda a criar memórias mais distintas e significativas de diferentes tarefas, o que 'fortalece' a memória e reduz a confusão entre elas.
A prática aleatória faz com que o aluno "esqueça" a solução de curto prazo, forçando-o a gerar uma nova solução para cada tentativa.
Esse processo de esquecimento e reconstrução é benéfico para o aprendizado, pois reforça a memória de longo prazo.
Há muitos dados que comprovam a eficácia da interferência contextual para a retenção e transferência de habilidades motoras, sendo observada em todas as categorias de tarefas, exceto nas que envolvem movimentos segmentares. As adaptações nas habilidades motoras associadas a essa prática envolvem variáveis cognitivas de maior complexidade e estratégias ativas de aprendizado (Figueiredo, 1993). Portanto, apesar da interferência contextual poder causar desempenho limitado em uma sessão, ela resulta em uma superioridade de desempenho na retenção e na transferência de habilidades.
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